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Adeus, Hong Kong

Alexandre B. Cunha

Infelizmente, Hong Kong está a caminho de deixar de fazer parte do mundo livre. De fato, o processo de submissão forçada daquela próspera cidade ao Partido Comunista da China (PCC) se intensificou nos últimos meses; adicionalmente, nada sugere que ele virá a ser interrompido.

Em decorrência da Primeira Guerra do Ópio, na qual China e Reino Unido se enfrentaram, essa última nação assumiu o controle de Hong Kong em 1842. O domínio britânico se tornou inconteste em 1898, quando a China alugou (leased em inglês) a cidade para o Reino Unido por um prazo de 99 anos. Assim sendo, a região foi administrada pelos britânicos até 1o de julho de 1997. Nessa data a soberania sobre a cidade foi transferida pacificamente para a China, conforme previsto em um tratado firmado em 1984 pelos governos dos dois países. Dentre outros pontos, esse acordo previa que a China manteria por pelo menos cinquenta anos aquilo que se convencionou chamar de um país, dois sistemas. Segundo esse mecanismo, o sistema econômico, político e administrativo então existente em Hong Kong permaneceria em vigor no mínimo até 2047. Assim sendo, pelo menos até o ano em questão Hong Kong estaria em tese protegida da tirania existente na China.

Uma característica central de qualquer regime totalitário é o fato de as normas legais não serem capazes de impor limites às ações dos tiranos de plantão. Assim sendo, apesar de o arranjo de um país, dois sistemas fazer parte do tratado firmado com o Reino Unido e da lei básica (equivalente a uma constituição) de Hong Kong, há anos o governo chinês vem atuando de forma a minar a autonomia da cidade e fazer com ela se submeta à ditadura em vigor no resto do país.

Evidentemente, a população local se opõe aos planos do PCC. Desta forma, cedo ou tarde deveria acontecer algum conflito. Isso ocorreu de forma aberta ao longo de 2019 sob a forma de repetidos e massivos protestos populares. O estopim foi um projeto, apresentado em março daquele ano, de uma nova lei de extradição. A proposta abria a porta para que o governo chinês pudesse prender e extraditar os cidadãos locais que fazem oposição ao PCC para julgá-los longe de Hong Kong e, principalmente, sem as proteções legais lá existentes.

Manifestação em Hong Kong contra o projeto de extradição. Fotógrafo: Studio Incendo. Fonte: Flickr.

A escala dos protestos foi tamanha que o referido projeto foi arquivado em outubro do mesmo ano. Infelizmente, essa vitória do povo de Hong Kong é tão somente temporária. A menos que até lá a tirania do PCC entre em colapso, a partir de 2047 dificilmente haverá qualquer resquício de liberdade e democracia na cidade. Adicionalmente, nesse ínterim o governo chinês continuará a atuar de forma a subjugar, ainda que de forma gradual, a população local. Por exemplo, neste mês de novembro o governo chinês aprovou uma lei que permite a cassação do mandato de qualquer integrante do legislativo de Hong Kong que seja qualificado como “impatriótico”. Quatro parlamentares já foram afastados com base nessa nova norma.

É sempre algo nefasto quando um governo autoritário tem sucesso em expandir a sua tirania. Porém, no caso específico de Hong Kong o que está a ocorrer é particularmente trágico. Afinal de contas, em 1980 a cidade foi identificada pelo economista Milton Friedman e pela sua coautora Rose Friedman na obra Livre para Escolher como o melhor exemplo existente à época de uma sociedade com mercados livres e governo limitado. Em consequência, o governo chinês não está a subjugar uma localidade qualquer; na verdade, o PCC está impondo a sua tirania a uma sociedade que ilustrou muito bem o que o ser humano é capaz de alcançar em um ambiente de liberdade econômica.

Eu adoraria encerrar este texto com uma mensagem otimista. Infelizmente, isso não será possível, pois não vejo como o povo de Hong Kong possa ter sucesso em conter o PCC. Torço para estar errado, mas parece ser somente uma questão de tempo para que Hong Kong esteja plenamente subjugada pelo mesmo monstruoso partido que tiraniza o resto da China.


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