Rio de Janeiro, . | Economia, Governo, Saúde


Confinamento no Brasil: o duro encontro do faz-de-conta com a realidade

Alexandre B. Cunha

No mundo de faz-de-conta dos adeptos do confinamento, tudo funciona perfeitamente. Enquanto as pessoas permanecerem em seus lares, o governo “dará uma pausa” na economia. Se porventura alguém tiver uma perda de renda, esse indivíduo receberá algum auxílio financeiro. Tão logo a Covid-19 for debelada, as pessoas poderão sair de casa com segurança e seus empregos estarão garantidos.

Infelizmente, a realidade é muito diferente. Não haverá uma “pausa” na economia e não está claro como será a vida após o confinamento. Assim sendo, não é de surpreender que as pessoas não aceitem ficar trancadas em casa por meses. Seja qual for o país do mundo, o confinamento é uma política muito custosa. Provavelmente ele terá sucesso em achatar a curva de infeções. Porém, com certeza ele achatará o PIB, o emprego, as liberdades individuais, o estado de direito, a democracia e até mesmo a saúde.

Evidentemente, está acima da capacidade deste autor discutir em detalhes todos os achatamentos causados pelo confinamento. Assim sendo, estabelece-se para este texto um objetivo bem mais modesto: realizar uma brevíssima análise de algumas consequências da aplicação da utopia “confinatória” à realidade brasileira.

Tendo em vista a tarefa aqui colocada, faz-se necessário obter algumas informações sobre como os brasileiros foram afetados pela referida política. Com intuito de garantir que não haja um viés contrário ao confinamento, será utilizada como fonte a reportagem Apesar da alta de casos e mortes, Copacabana e Campo Grande parecem ignorar a realidade. Essa matéria foi publicada no dia 10 de maio no jornal O Globo, o qual tem uma linha editorial manifestamente favorável ao confinamento.

Em uma das fotos que ilustram a reportagem há um camelô um pouco mais sofisticado do que o usual, pois a sua barraca na verdade é uma ótica. Sim, uma ótica! Reproduz-se abaixo a legenda da foto em questão.

Em Campo Grande, na Zona Oeste, versão de ótica na calçada. Proprietários contam que a loja, fechada por causa da pandemia, é única fonte de renda e que, sem direito a auxílio do governo, precisam continuar trabalhando para pagar contas.

Meu Deus, em que mundo isso pode ser aceito como normal? Pessoas possuíam uma ótica absolutamente regularizada e, devido ao confinamento, elas transferiram as atividades para uma bancada na calçada! Mesmo que se aceite a premissa dos militantes pró-confinamento de que a contenção do vírus chinês está acima de toda e qualquer consideração, como a transformação de comerciantes legalizados em camelôs pode contribuir para o combate à pandemia? Afinal de contas, antes do confinamento essas pessoas poderiam pelo menos lavar as mãos várias vezes ao dia; agora elas estão o dia inteiro no meio da rua sem acesso à água encanada.

A matéria também discute o caso de um jovem que, após ser demitido do bar em que trabalhava, passou a vender ovos na calçada. A reportagem se encerra citando a seguinte declaração do rapaz: “Quando isso tudo passar, só quero voltar a trabalhar”. Evidentemente, o argumento do parágrafo anterior também se aplica aqui: mesmo que se avalie o ocorrido exclusivamente sob o ponto de vista do combate à Covid-19, não há como argumentar que tirar esse jovem de um emprego formal e transformá-lo em camelô foi algo positivo.

É algo desalentador imaginar quantas pessoas enfrentam situações como as descritas na reportagem. E infelizmente o desastre é ainda maior. Considere o caso dos brasileiros que residem em lares precários como os da foto que se segue.

Favela próxima à abastada região de Alphaville (estado de São Paulo). Fotógrafo: Wilfredo Rodríguez. Fonte: Wikimedia Commons.

Mais uma vez, mesmo sob a ótica do combate ao vírus chinês é um erro tirar o emprego do indivíduo que mora nessas condições. Afinal de contas, se ele tinha um emprego formal, então muito provavelmente as condições de higiene no local de trabalho eram consideravelmente superiores às da sua residência. Mais ainda: qual é a chance de ele ficar confinado por meses?

Conforme já foi discutido neste blog, países como a Coréia do Sul e a Suécia não adotaram o confinamento. Quando confrontados com essa realidade, os defensores do confinamento dizem coisas como “o brasileiro não tem a disciplina do coreano” e “o povo sueco é muito mais educado do que o brasileiro”. Ou seja, devido às especificidades do nosso país, não temos condições fazer algo similar ao que aquelas duas nações fizeram. Curiosamente, na hora de copiar o confinamento dos EUA e da Europa, então as especificidades brasileiras são solenemente ignoradas. Ninguém lembra que aqui existe um imenso setor informal que simplesmente não tomará conhecimento do confinamento e que servirá de refúgio para aqueles que foram banidos da economia formal. Ninguém lembra que milhões de brasileiros nem sequer possuem água encanada em casa, ao passo que nos seus locais de trabalho eles podiam lavar as mão repetidas vezes ao dia. Ninguém lembra que as condições de habitação de boa parte da população são tais que não há como ficar confinado por meses.

Mas tudo isso é irrelevante, não é mesmo? Afinal de contas, o confinamento foi feito para salvar vidas e somente um monstro é capaz de se opor a tão nobre política…


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