Alexandre B. Cunha
Para combater a pandemia de Covid-19, diversas nações adotaram o confinamento. Um dos problemas dessa política é que ela requer que parcela considerável da população permaneça em casa por meses. Discute-se neste texto as razões pelas quais não é viável confinar tantas pessoas por um prazo tão longo.
Em primeiro lugar, desejo esclarecer que me causa espanto que a questão aqui abordada mereça ser discutida. Eu simplesmente não consigo conceber como se possa acreditar que exista uma maneira de fazer com que milhões e milhões de pessoas permaneçam trancadas nas suas residências ao longo de meses. Contudo, o fato é que a política de confinamento está em vigor em vários países do mundo e também em muitas localidades no Brasil. E há quem sugira que isso dure por muito mais tempo. Por exemplo, um relatório da Fundação Oswaldo Cruz recomenda que ao longo dos próximos dos dois anos haja um confinamento intermitente na região metropolitana do Rio de Janeiro. Já nos Estados Unidos, o médico e professor da Universidade da Pensilvânia Ezekiel Emanuel, que atuou como conselheiro da administração de Barack Obama, argumentou que o confinamento deveria durar de 12 a 18 meses. Assim sendo, há que se discutir o problema.
Encerrada a digressão acima, retorno ao tema deste ensaio. Considere uma pessoa confinada que satisfaz as seguintes duas condições:
(a) A sua renda não foi consideravelmente afetada pelo confinamento ou então ela possui uma reserva financeira suficientemente ampla de forma que ela tenha como se sustentar por um longo período.
(b) A sua residência é extremamente confortável.
Assim sendo, ao longo dos próximos meses essa pessoa pode se dar ao luxo de somente sair de casa para ir ao mercado ou para caminhar em um parque (ou outro local aprazível).
Se a maior parte das pessoas confinadas satisfizesse as condições (a) e (b), então seria factível manter o confinamento por um longo período. Contudo, mesmo em nações desenvolvidas, apenas uma pequena fração da população atenderá ao requisito (a). Consequentemente, as pessoas precisam sair de casa devido a uma premente necessidade financeira. Quando se leva em conta que nem todos os indivíduos têm o privilégio de satisfazer a condição (b), então é inevitável a conclusão de que as pessoas desejarão ir para a rua. Não é a toa que já houve manifestações contra o confinamento em vários estados norte-americanos (exemplos: Michigan e Califórnia), assim como na Escócia, no Canadá, na Alemanha e em outras nações. E não existe auxílio ou bolsa que um governo consiga pagar que seja capaz de modificar essa realidade.
Se o confinamento não é sustentável por um longo período em nações ricas, o que dizer do Brasil? Ampla maioria do nosso povo reside em condições extremamente precárias e não pode se dar o luxo de não trabalhar. Consequentemente, os brasileiros irão sair de casa. Não há como conter as pessoas. Nem mesmo pela força.
Resumindo, a ideia de que é possível manter parcela considerável dos brasileiros confinados nos seus lares por meses é uma fantasia. E uma política pública assentada em uma visão fantasiosa do mundo dificilmente trará resultados positivos.
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