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O Congresso Nacional precisa cumprir com as suas obrigações

Alexandre B. Cunha

O poder Legislativo tem um papel central no regime democrático. O caso brasileiro não é exceção. Por exemplo, o Congresso Nacional tem a atribuição de elaborar, aprovar, revogar e modificar as normas legais. Também cabe a ele aprovar o orçamento do governo federal; consequentemente, os gastos dos demais poderes precisam se adequar às restrições impostas pelos congressistas. Adicionalmente, o Congresso tem a importante função de fiscalizar os atos do poder Executivo.

Essa breve (e incompleta) descrição das suas atribuições deixa claro que o Congresso Nacional está longe de ser uma instituição fraca e irrelevante. Tanto que ao longo das últimas três décadas houve duas ocasiões em que ele afastou o então ocupante do Palácio do Planalto do cargo de presidente da República. Dito isto, pode se chegar a uma conclusão inequívoca: exatamente como deve ocorrer em qualquer nação democrática, o parlamento brasileiro é uma instituição bastante poderosa.

O fato de o regime democrático atribuir ao poder Legislativo amplos e exclusivos poderes o transforma em uma instituição fundamental para o bom funcionamento do Estado. Desta forma, um inadequado funcionamento do parlamento certamente terá consequências adversas sobre a economia, a justiça, a educação, a segurança pública etc. E, infelizmente para nós brasileiros, a atuação do Congresso Nacional ilustra muito bem como um parlamento omisso e inepto pode causar vários prejuízos a uma nação democrática.

Congresso Nacional: prédio belíssimo, desempenho decepcionante. Fotógrafo: Pedro França/Agência Senado. Fonte: Flickr.

Considere a crise fiscal que afeta o Brasil. No texto Equilíbrio fiscal: o papel do Congresso Nacional, este autor afirmou o seguinte:

Tivesse o Congresso Nacional, que tem competência e poder para legislar sobre questões orçamentárias, realizado uma intervenção (diretamente ou através do TCU) quando surgiram as primeiras notícias sobre a ‘contabilidade criativa’, rejeitado os repetidos orçamentos com superávit primário inferior a 3% do PIB e estabelecido um teto para a dívida pública, então o Brasil não teria mergulhado na presente crise.

Ou seja, apesar de o Executivo ter contribuído, e muito, para o quadro de penúria do governo federal, ele não foi o único autor da obra. O Congresso Nacional foi um parceiro fundamental da irresponsabilidade fiscal. Afinal de contas, não faltaram ferramentas e oportunidades para que o parlamento barrasse tamanha insanidade. Em síntese, para que chegássemos à atual situação foi necessário que ocorresse uma omissão absolutamente irresponsável do Legislativo.

O STF se constitui em outro bom exemplo das consequências adversas decorrentes das falhas do Congresso Nacional em cumprir com as suas obrigações. O tribunal em questão se encontra em um estado lamentável. Dentre outros problemas, muitas das suas decisões são inequivocamente contrárias às normas legais. Adicionalmente, vários dos seus integrantes se comportam de forma incompatível com a serenidade e o comedimento que se esperam de um juiz. E, a despeito do Judiciário possuir um considerável grau de autonomia, o parlamento é responsável (mesmo que parcialmente) por esse descalabro.

A responsabilidade do Congresso pelo caos existente na corte suprema decorre do fato de o Senado possuir as seguintes duas competências: (i) aprovar ou recusar as pessoas indicadas pelo presidente da República para compor o STF e (ii) remover definitivamente do cargo, através do mecanismo do impeachment, qualquer ministro do STF que incorrer em algumas das faltas especificadas na legislação pertinente. Discute-se abaixo como a falha do Senado em exercer a contento essas duas atribuições foi e é essencial para o caos que vigora no principal tribunal do país.

Em consequência da atribuição (i), ninguém se torna ministro do STF sem que a sua indicação seja aprovada pelo Senado. Dito isto, cabe aqui a seguinte pergunta: tendo em vista o que se tornou o STF, faz sentido supor que o Senado avaliou com o cuidado necessário as pessoas que foram indicadas para o tribunal? É resposta é um inequívoco não. O STF é composto por 11 juízes; logo, não basta que haja somente um ou dois integrantes atuando de forma inadequada para se chegar a uma situação como a atual. Assim sendo, tudo indica que o Senado falhou repetidas vezes ao avaliar as indicações para o STF.

O caso do Sr. Dias Toffolli, atual presidente do tribunal, é emblemático. A Constituição Federal estabelece no seu artigo 101 que um integrante do STF precisa possuir “notável saber jurídico”. Logo, se porventura o presidente da República indicar uma pessoa que não satisfaça essa condição, é obrigação do Senado rejeitar tal indicação. Dito isto, é indiscutível que o Sr. Dias Toffolli não atendia o requisito em questão. Apesar disso, ele foi aprovado com 58 votos favoráveis, 9 contrários e 3 abstenções. Ou seja, somente 9 dos 81 senadores cumpriram a sua obrigação de rejeitar uma indicação que violava de maneira manifesta uma norma constitucional. Portanto, não é de surpreender que o STF se encontre em total desarranjo.

Considere agora a atribuição (ii). A Lei 1.079/1950, que regulamenta o impeachment do presidente da República e de outras autoridades, determina que o Senado avalie os pedidos de afastamento dos ministros do STF. Ao longo de 2019, a casa recebeu 14 pedidos de impeachment de juízes da suprema corte brasileira. Infelizmente, o presidente do Senado não deu andamento a nenhuma dessas petições. Isso é um erro sério por dois motivos. Primeiro, sob nenhuma circunstância o Senado pode descumprir a sua obrigação de julgar os integrantes do SFT, especialmente no momento em que diversos deles atuam de forma contrária às normas legais. Segundo, o simples fato de o Senado julgar um dos ministros provavelmente impactará o comportamento de outros membros do tribunal, mesmo que o acusado venha a ser absolvido. Ou seja, a simples abertura de um processo de impeachment, independentemente do seu resultado final, possivelmente impactará de forma positiva o comportamento dos integrantes do STF.

Em síntese, o Senado errou ao aceitar alguns dos nomes indicados para o STF e continua a errar ao não instaurar um ou mais processos de impeachment contra os integrantes do tribunal. Assim sendo, parte da responsabilidade pelo Brasil não ter uma corte suprema ao menos razoável pertence ao seu parlamento.

O Congresso Nacional tem um desempenho igualmente sofrível quando se considera o sério problema da criminalidade. Há décadas que a população brasileira tem sido aterrorizada por assassinos, assaltantes, estupradores, traficantes etc. Como se isso não bastasse, ainda existe a praga da corrupção. O que fez o Congresso para mudar essa situação? Infelizmente fez menos do que nada, pois na verdade ele tem atuado para aumentar a impunidade. Por exemplo, em 2011 o parlamento aprovou uma lei introduzindo no artigo 283 Código de Processo Penal a exigência de que o cumprimento de uma pena de prisão somente poderá ter início após o trânsito em julgado da correspondente condenação. O recente episódio da criação do chamado juiz de garantias chega ser patético. Sejamos claros: o problema do sistema judicial brasileiro não é a falta de garantias para o réu; o real problema é a morosidade causada também pelos inúmeros recursos e procedimentos protelatórios que alegadamente existem para garantir os direitos dos acusados. Apesar disso, o Congresso cria mais uma garantia. Isso seria cômico se não fosse trágico.

Evidentemente, ao longo dos últimos trinta anos houve momentos em que o parlamento brasileiro atuou de forma correta. Todavia, de forma geral a Câmara e o Senado têm um péssimo desempenho. Tendo em vista o papel central do poder Legislativo no regime democrático, a decepcionante performance do parlamento está na raiz de muitos dos problemas brasileiros. E enquanto o Congresso Nacional ignorar as suas obrigações e tomar decisões equivocadas, esses problemas provavelmente persistirão.


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