Artigo publicado no jornal O Globo em 22 de agosto de 2016 (página 13).
Alexandre B. Cunha
No dia 7 de julho o governo enviou ao Congresso um documento definindo a meta fiscal para 2017. Determinou-se que o setor público deverá ter um déficit primário equivalente a 2,09% do PIB. No mesmo documento se projeta que ao fim de 2019 a dívida pública deverá atingir o patamar de 78,7% do PIB. Vale lembrar que no final de 2013 esse indicador foi igual a 53,8%.
Se o endividamento do governo aumenta mais rapidamente do que a atividade econômica de forma repetida, então essa expansão acelerada da dívida pública poderá levar ao seu default (o popular calote). Infelizmente, o crescimento da relação dívida/PIB ocorrido nos últimos anos fez com que um default se tornasse menos implausível. Esse foi um dos principais motivos que fizeram com que as agências internacionais de classificação de risco retirassem do Brasil o chamado grau de investimento.
Um default do governo seria algo catastrófico para o país. Os bancos utilizam grande parte dos recursos depositados em contas correntes, poupanças e fundos de investimentos para adquirir títulos públicos. Assim sendo, um calote governamental deve ser acompanhado por um bloqueio dos depósitos bancários. Essa combinação de inadimplência do governo e congelamento de ativos financeiros foi exatamente o que ocorreu em 1990 com o Plano Collor. A consequente desorganização da economia fez com que o PIB decrescesse 4,4% naquele ano.
Há que se impedir que o cenário descrito no parágrafo anterior se concretize. Para tanto, é preciso que a relação entre dívida pública e PIB pare de crescer. Usualmente, isso exige que o governo tenha um superávit ao invés de um déficit primário. A título de exemplo, suponha que o Brasil decida estabilizar a relação dívida/PIB a partir de 2020. Qual deverá ser o superávit primário necessário para que tal relação permaneça naquele elevado patamar de 78,7%? A resposta depende de vários fatores, dentre eles a taxa de crescimento do PIB e a taxa real de juros. Assuma que essas variáveis sejam respectivamente iguais a 3% e 6% em termos anuais. Dadas essas premissas, as quais são otimistas, o superávit precisará ser igual a 2,33% do PIB.
O exercício acima permite fazer uma conjectura sobre o tamanho do ajuste fiscal que o país precisa efetuar. Para que em 2020 a dívida pública abandone a presente trajetória de insolvência, será preciso que o déficit primário de 2,09% do PIB em 2017 seja, em um intervalo de três anos, revertido para um superávit de 2,33%. Como 2,09 + 2,33 = 4,42, esse último valor fornece uma estimativa da dimensão, em percentagem do PIB, do ajuste fiscal que precisará ocorrer até 2020 para finalmente estabilizar a razão entre o endividamento do governo e o PIB.
Vale lembrar que os cálculos acima se basearam em premissas otimistas. Desta forma, é provável que o Brasil precise fazer um ajuste fiscal superior a 4,42% do PIB. Definitivamente, não será trivial desfazer os efeitos nocivos do descaso com que as contas públicas foram tratadas até recentemente.
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