Artigo publicado no website do jornal O Globo em 1o de outubro de 2018.
Alexandre B. Cunha
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) divulgou recentemente um relatório denominado Banco Nacional de Monitoramento de Prisões. De acordo com esse documento, em 6 de agosto de 2018 existiam pelo menos 602.217 pessoas privadas de liberdade no Brasil. Esse número aparentemente elevado contribui para a disseminação do argumento de que existe neste país um “encarceramento em massa”. Todavia, essa tese ignora o fato de que a maior parte dos delinquentes brasileiros jamais presta contas dos seus atos criminosos à justiça.
Analisar se a taxa de encarceramento de uma sociedade é ou não elevada requer que se leve em consideração o nível de criminalidade. A título de exemplo, considere uma nação hipotética na qual a população é composta exclusivamente por pessoas que jamais cometeram um crime. Em tal contexto, fará todo sentido afirmar que há um excesso de pessoas encarceradas mesmo que exista um único indivíduo preso. Por outro lado, não há como se falar em excesso de presos em uma sociedade na qual há milhares e milhares de criminosos impunes. E, conforme se demonstra a seguir, essa é exatamente a situação do Brasil.
Considere o caso dos homicídios. O número de assassinos impunes não é uma informação que esteja prontamente disponível em algum anuário ou relatório. Dentre outros fatores, isso se deve ao fato de que se desconhece o número de criminosos que participaram dos homicídios que não foram solucionados. Por tal motivo, é preciso estimar a estatística desejada a partir daqueles dados que são conhecidos, como o número de julgamentos e as respectivas condenações.
Segundo o CNJ, até recentemente existiam 40.627 condenados que cumpriam pena pelo crime de homicídio. Por outro lado, informações contidas em relatórios divulgados pelo Conselho Nacional do Ministério Público, pelo Instituto Sou da Paz, pelo Ministério da Justiça e diversas outras fontes permitem inferir que no máximo 10% dos homicídios resultam em condenações. Assim sendo, pode-se então estimar que para cada homicida que foi condenado existam pelo menos nove que não o foram. Como 9 vezes 40.627 é igual a 365.643, depreende-se que pelo menos 365 mil homicidas jamais pagaram pelos seus crimes. Ressalta-se que, por motivos diversos, essa é uma cifra conservadora. Ou seja, muito provavelmente ela subestima o verdadeiro número de homicidas impunes.
De 1996 até 2016, o Brasil foi palco de mais de um milhão de homicídios. Menos de 10% desses crimes resultaram em condenações. Consequentemente, mais de 365 mil assassinos não prestaram contas à justiça. E essa estatística não engloba assaltantes, sequestradores e demais delinquentes impunes. A ideia de que o país padece de um “encarceramento excessivo” decorrente de uma “cultura punitivista” é inconsistente com a realidade.
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