Alexandre B. Cunha
Este é o primeiro de uma série de três textos sobre o legado da Revolução Russa. Discute-se neste ensaio como aquele nefasto evento conduziu considerável parcela da humanidade para um estado de pobreza crônica e, em alguns casos, miséria e fome.
Em uma sociedade socialista, não há propriedade privada dos meios de produção. Ou seja, todos os imóveis, fábricas, rodovias, ferrovias etc pertencem ao estado. Adicionalmente, o governo não permite o funcionamento do sistema de mercado que caracteriza o regime capitalista. Na visão dos adeptos do credo marxista-leninista, isso faria com a União Soviética e demais países socialistas se desenvolvessem mais rapidamente do que as nações capitalistas. Consequentemente, após alguns anos o bem-estar material do bloco marxista-leninista suplantaria aquele observado nos EUA e nos demais países desenvolvidos. Contudo, exatamente o oposto ocorreu.
A ideia de que o socialismo era um sistema econômico superior não era abraçada apenas pelos militantes da extrema esquerda. Por exemplo, o economista Paul Samuelson, professor do MIT e agraciado com o Prêmio Nobel de 1970, redigiu um livro-texto de introdução à Economia extremamente influente. A sua primeira edição ocorreu em 1948. Na tiragem de 1961, Samuelson previu, explicitamente, que no máximo até 1997 o produto nacional bruto (um indicador bastante similar ao PIB) da URSS ultrapassaria o dos EUA. Previsões similares, apenas com mudanças no ano em que o evento se verificaria, são encontradas em edições posteriores do livro.
Alguns economistas discordavam das predições de que o socialismo seria capaz de acelerar o crescimento econômico. Dentre eles, há que se destacar papel de Ludwig von Mises. No livro Socialism: An Economic and Sociological Analysis, publicado em 1951, e em diversos outros textos, aquele economista argumentava que o socialismo estava fadado ao fracasso. A razão para tanto era relativamente simples: ao abolir a propriedade privada e impedir o funcionamento dos mercados, as nações socialistas estavam fadadas a serem consideravelmente menos eficientes do que as sociedades capitalistas. Quase quarenta anos depois, o rápido e inesperado colapso do bloco socialista no final da década de 1980 validou, de forma dramática, os argumentos de von Mises.
A derrocada dos estados marxistas-leninistas tornou evidente o fracasso do socialismo. A URSS não suplantou os EUA; os países da Europa Oriental não alcançaram as nações da parte ocidental daquele continente; a Coréia do Norte não ultrapassou a do Sul… De fato, em nenhum lugar o socialismo entregou a abundância material concebida nas fantasias de Karl Marx e outros radicais. Na verdade, o socialismo gerou pobreza ou até mesmo miséria, chegando a matar de fome milhões de pessoas.
Por motivos diversos, não é trivial avaliar a renda per capita e outros indicadores econômicos dos países socialistas (link 1, link 2, link 3 e link 4). De toda forma, diversos depoimentos permitem estabelecer o grau de desarranjo que caracterizava as economias socialistas. A título de ilustração, considere o relato que escritor conservador norte-americano David Horowitz realizou no seu livro Radical Son: A Generational Odyssey (p. 389) sobre uma visita à Polônia em maio de 1989 (trecho entre aspas em itálico traduzido do inglês por este autor):
“Quanto mais nós aprendíamos sobre as vidas das pessoas, mais evidentes se tornavam as inimagináveis restrições impostas pelo estado e pela economia socialista sobre a vida e o desenvolvimento humano. Uma noite, eu fui jantar na residência do editor da maior revista semanal de cunho católico da Polônia. Ele vivia com a sua esposa e seu filho em um edifício de propriedade do governo. Apesar de o prédio ter sido construído na década de 60, ele não tinha elevador. Nós subimos as escadas com cheiro de urina daquele pardieiro cinzento até o apartamento localizado no sexto andar. O imóvel não era maior do que uma sala de estar norte-americana e media aproximadamente 2,5 por 3 metros. Havia um armário dentro do qual a criança estava dormindo e uma minúscula cozinha adjacente à sala. Ao lado da mesa em que comemos, estava estirado diretamente no piso um colchão no qual o casal dormia. Eu soube pelo anfitrião que havia uma fila de espera de 20 anos por um apartamento daquele tipo.“
Não era apenas a moradia que era escassa. Muitas vezes era impossível obter produtos básicos como pão, carne ou sapatos. Diversos livros contêm depoimentos que evidenciam o caos econômico gerado pelo socialismo. Seguem-se alguns exemplos. No caso da URSS, o épico The Gulag Archipelago (vol. 1, vol. 2 e vol. 3), contém muitos trechos que ilustram a escassez e a pobreza na principal nação socialista. O miserável cotidiano dos cubanos é discutido em várias passagens de Days of the Embassy e de Wings of the Morning: The Flights of Orestes Lorenzo. No tocante à Coréia do Norte, há diversos relatos similares em Nothing to Envy: Ordinary Lives in North Korea. O caso da Venezuela, o qual ainda está se desenrolando, tem sido amplamente noticiado e discutido na internet. Naquele país há escassez até de papel higiênico e absorventes íntimos.
Tendo em vista que se mencionou a Venezuela, não se pode deixar de discutir outro problema que repetidas vezes assolou as sociedades socialistas: fome generalizada (famine, em inglês). Este autor discutiu o caso daquela nação sul-americana em um texto anterior. Listam-se abaixo alguns outros episódios. Para cada um deles se fornece uma estimativa do número de mortes.
URSS (principalmente Ucrânia), 1932-34, 6 milhões
Coréia do Norte, 1995-99, 2 milhões
Concluindo, os apóstolos do culto marxista-leninista acreditavam que a Revolução Russa seria o primeiro passo de uma jornada em direção a um estado de abundância. Todavia, exatamente o contrário ocorreu. A desorganização e ineficiência que caracterizam todas as sociedades socialistas condenaram os seus habitantes à privação de bens essenciais, chegando ao ponto de matar vários pela fome. Desta forma, a pobreza é, inequivocamente, um dos legados do funesto evento ocorrido em 7 de novembro de 1917.
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