Rio de Janeiro, . | Direito, Economia, Governo


Sobre as indenizações por mortes em presídios

Alexandre B. Cunha

Recentes confrontos entre facções criminosas dentro de presídios em Manaus causaram a morte de 64 detentos. O governador do Amazonas prontamente anunciou que o seu estado irá indenizar os parentes dos falecidos. Informações divulgadas pela imprensa sugerem que cada família poderá receber aproximadamente R$ 50 mil. Argumenta-se neste texto que tais indenizações são moralmente viciadas.

De acordo com uma decisão tomada em 2012 pelo STF, indenizações desse tipo seriam fundamentadas por um trecho da Constituição Federal (artigo 37, parágrafo 7) que estipula que o Estado brasileiro responde pelos danos decorrentes das suas ações e omissões. Porém, conforme será estabelecido abaixo, a conclusão de que presidiários (ou suas famílias) devam ser indenizados decorre de uma definição de prioridades que, de forma absolutamente imoral, favorece os criminosos em detrimento dos brasileiros honestos.

Peço ao leitor que considere as seguintes cinco situações hipotéticas:

  1. A Sra. A deveria fazer uma cirurgia em um hospital público no dia 10 de janeiro de 2016. Porém, na data em questão não havia anestesista de plantão no estabelecimento. Desta forma, o procedimento foi remarcado para 27 de novembro de 2016. Infelizmente, A faleceu no dia 10 de agosto. A morte foi causada por complicações que não teriam ocorrido se a cirurgia tivesse sido realizada em janeiro.
  2. Em julho de 2012 o Sr. B era aluno de uma universidade pública e possuía um bom emprego em uma grande e sólida empresa. Ele precisava cursar quatro disciplinas para concluir o curso. Essas cadeiras somente seriam ofertadas em horários incompatíveis com a sua atividade profissional. Como B desejava se formar, ele pediu demissão do emprego com a expectativa de cursar aquelas quatro cadeiras durante o segundo semestre daquele ano. Infelizmente, houve uma greve na universidade. Como consequência, B passou os últimos meses de 2012 sem estudar e sem renda, pois não conseguiu se recolocar profissionalmente.
  3. Os Srs. C1 e C2 eram soldados da polícia militar. No dia 20 de outubro de 1995 eles estavam realizando uma patrulha em uma região sabidamente frequentada por traficantes. Em dado momento, a sua viatura foi atacada por criminosos armados. Os soldados tentaram pedir reforço pelo rádio do automóvel. Porém, o aparelho não funcionou devido à falta de manutenção. Enquanto puderam atirar, C1 e C2 conseguiram conter os marginais. Porém, após quinze minutos eles ficaram sem munição e foram barbaramente executados pelos criminosos.
  4. A Sra. D estava recentemente dirigindo o seu carro em uma rodovia federal, a qual se encontrava em péssimo estado de conservação. Devido aos diversos buracos na pista, a suspensão do carro foi danificada. Esse tipo de dano não era coberto pelo seguro. Desta forma, D foi obrigada a arcar com o custo de R$ 3 mil do conserto do veículo.
  5. Ao longo do ano de 2015, a pequena loja do Sr. E foi repetidas vezes assaltada por um mesmo ladrão. Apesar de todas as ocorrências terem sido registradas na delegacia, o criminoso não foi preso. No oitavo assalto, E acabou sendo assassinado. Posteriormente, a polícia capturou o marginal. Descobriu-se então que ele era um presidiário foragido que havia saído da cadeia em decorrência de um indulto de Natal e não retornara para cumprir o resto da pena.

O elemento comum a todos os cinco casos descritos acima é que pessoas foram, em graus variados, prejudicadas por falhas do Estado. E, como qualquer brasileiro sabe muito bem, nenhum político correria para indenizar essas vítimas ou os seus familiares. Aquele que quisesse alguma compensação monetária teria que brigar na justiça.

O fato incontornável é que o Estado brasileiro não tem capacidade financeira para indenizar toda e qualquer pessoa que for prejudicada por erros e omissões dos governantes. Talvez fosse possível estabelecer reembolsos pífios; por exemplo, a Sra. D faria jus a cinco reais. Porém, não há recursos para compensar adequadamente todos os estudantes de escolas e universidades públicas que foram prejudicados por greves, todos os doentes que não foram atendidos em hospitais públicos etc.

Dito isto, é preciso fazer escolhas. Uma alternativa seria não pagar qualquer indenização. Outra, atualmente em vigor, consiste em compensar alguns poucos e ignorar todos os demais. Cabe então a seguinte pergunta: como pode ser razoável indenizar criminosos e suas famílias, enquanto o cidadão de bem e seus parentes são simplesmente ignorados pelo Estado? Evidentemente, isso é uma aberração.

Os defensores dos ‘direitos humanos’ afirmam que como o criminoso não tem a opção de sair do presídio, o Estado tem a obrigação de zelar pelo seu bem-estar e integridade. Inegavelmente, existe tal obrigação. Porém, conforme já foi discutido acima, a maior parte das falhas governamentais não gera qualquer compensação. Logo, o fato de alguém morrer dentro de uma prisão não é motivo suficiente para que a sua família seja indenizada.

Apesar de não ter como controlar o momento em que sairá da cadeia, qualquer pessoa tem como influenciar o momento do seu ingresso. Para ficar do lado de fora, basta não cometer crimes. Adicionalmente, está em vigor neste país o Estatuto do Desarmamento, o qual praticamente impossibilita que o cidadão de bem utilize uma arma de fogo para sua autodefesa. Tendo em vista que o Estado reduziu o brasileiro honesto à condição de impotência perante a criminalidade, não existe motivo para afirmar que a obrigação do Estado de proteger o cidadão livre é mais fraca ou menos premente do que a de zelar pela segurança do presidiário. Logo, não há razão para a família de um cidadão decente que tenha sido assassinado não fazer jus a uma indenização, ao passo que a do detento faz.

Em síntese, o Estado brasileiro não tem capacidade para compensar adequadamente todas as pessoas e famílias que foram prejudicadas pelas falhas governamentais. Ou não se indeniza ninguém ou se estabelecem grupos que receberão um tratamento preferencial. Assim sendo, é imoral que os criminosos sejam priorizados em detrimento dos cidadãos de bem. Evidentemente, isso não quer dizer que um presidiário (ou a sua família) jamais fará jus a uma indenização. Porém, isso tem que ser a exceção e não a regra geral.

Por fim, fica aqui uma sugestão para o leitor que também não concorda com as atuais prioridades do Estado brasileiro: nas próximas eleições não vote em candidatos dos partidos que colocam os criminosos acima das pessoas de bem.


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