Alexandre B. Cunha
Conforme é de conhecimento geral, diversos governos lançaram mão do confinamento para combater a pandemia da Covid-19. Tendo em vista o fato de que a referida política foi implementada pelo mundo afora, parece razoável supor que a decisão de adotar essa estratégia foi bem fundamentada. Contudo, isso não aconteceu. Na verdade, se o confinamento generalizado e de longa duração tivesse sido avaliado de maneira correta, então ele não teria sido adotado.
A decisão de se implementar ou não uma dada política pública deve ser precedida por aquilo que se convencionou chamar de Análise de Custos e Benefícios. A título de ilustração, suponha que um governo qualquer esteja considerando a possibilidade de duplicar uma estrada que conecta as cidades A e B. Dentre diversos itens, é preciso incluir na avaliação os custos com a obra e a elevação dos gastos com a manutenção e a conservação da estrada. Do lado dos benefícios, há que se levar em consideração o quanto a melhoria da estrada poderá contribuir para o desenvolvimento econômico das duas cidades e das regiões próximas e os ganhos que os usuários da estrada poderão ter com a redução do tempo gasto com deslocamento entre as duas cidades. Se os custos excederem os benefícios, então não se deve duplicar a estrada.
O exemplo apresentado no parágrafo anterior ilustra uma das prescrições da Análise de Custos e Benefícios: para que seja desejável implementar uma política, é necessário que a soma de todos os seus benefícios exceda a soma de todos os seus custos. E conforme se discute abaixo, nada sugere que um confinamento generalizado e de longa duração satisfaça tal condição.
Considere inicialmente os custos da política em questão. Evidentemente, ela tem um imenso ônus, pois ela impõe uma total paralisia de vários setores da economia e, consequentemente, uma forte queda no PIB e considerável crescimento no número de desempregados. Por sua vez, esses efeitos negativos impactam, de maneira adversa, a própria saúde. Em síntese, o confinamento amplo e duradouro inequivocamente tem custos extremamente elevados. Por outro lado, os seus potenciais benefícios eram (e ainda são) absolutamente incertos. Por exemplo, não existia uma estimativa confiável de quantas vidas ele poderia salvar. Vale ressaltar que as previsões apresentadas no famoso estudo de autoria de pesquisadores do Imperial College jamais foram confiáveis; dentre outros problemas, até hoje o referido estudo não passou pelo crivo da chamada avaliação dos pares (peer review em inglês). Adicionalmente, era evidente que a política em questão dificilmente forneceria uma solução definitiva para a pandemia.
Resumindo, a adoção de um confinamento generalizado e de longa duração envolvia incorrer com certeza em uma forte recessão e ter como contrapartida benefícios absolutamente incertos. Logo, ao implementar a referida política, os governantes colocaram uma considerável fração da renda e dos empregos dos cidadãos em uma aposta na qual a magnitude do prêmio era totalmente desconhecida. Não vejo como essa possa ter sido uma decisão correta; na verdade, a única que coisa que enxergo é um erro colossal.
Surpreendentemente, o equívoco foi ainda pior. Suponha que um governante qualquer efetivamente acreditasse que os benefícios do confinamento abrangente e duradouro eram maiores do que os seus custos. Mesmo que isso acontecesse, ainda assim não se pode afirmar que a dita política deveria ter sido adotada. Para ilustrar esse ponto, peço ao leitor que considere mais uma vez o exemplo da duplicação da estrada que liga as cidades A e B. Suponha que os benefícios sejam maiores do que os custos. Em tal situação, antes de se iniciar a duplicação da rodovia, é preciso analisar se não existe uma obra alternativa que trará os mesmos benefícios com custos menores. Por exemplo, se as duas cidades ficam na margem de um rio navegável, talvez seja preferível ampliar os seus portos do que duplicar a estrada. Logo, mesmo que existisse alguma evidência de que os benefícios do confinamento generalizado e de longa duração excediam os seus custos, era necessário indagar se não existia alguma política melhor. E, conforme discutido no ensaio A ineficiência do confinamento adotado no Brasil, claramente existia uma alternativa superior.
No caso específico do nosso país, houve um agravante. As políticas de confinamento aqui adotadas foram similares às de vários estados norte-americanos e de países europeus. Aparentemente, ninguém se deu ao trabalho de indagar se tais políticas eram adequadas à realidade do nosso país. E não é preciso um grande esforço intelectual para concluir que mesmo que o confinamento abrangente e duradouro fosse uma boa política para um país desenvolvido, dificilmente isso seria verdade para o Brasil.
Conforme mencionado no último texto deste blog, “o confinamento deveria ser, no máximo, uma medida de curta duração”. Infelizmente para todos nós, a sua adoção e a sua gestão no Brasil foram profundamente equivocadas. Assim como nos casos do infame Plano Cruzado e, mais recentemente, da insana “nova matriz econômica” do governo Dilma, esse devaneio custará muito caro ao país.
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